Curadoria

Texto curatorial

Marília Bonas e
Pedro Nery

7,7 bilhões de habitantes. Mais de 190 países. Inúmeras culturas e formas de viver. O mundo é vasto, mas uma grande parte dele compartilha um mesmo ritual diário, que se repete de diversas maneiras: beber café. Num planeta tão diverso, o café é uma bebida global. Patrimônio que se bebe, em torno dele gravitam muitos ritos, saberes e fazeres, do plantio ao consumo.

O café como conhecemos é uma bebida consumida há mais de seiscentos anos. Sua trajetória no mundo – que tem origem na África, se reinventa na Ásia e ocupa a Europa, chegando depois às Américas – é um patrimônio da humanidade em toda sua diversidade.

A exposição Café Mundo aborda a bebida nessa perspectiva global, seguindo dois eixos estruturantes, que se distribuem pelo espaço em diálogo: o café enquanto patrimônio ativo mundial e o café como alimento das diferentes linguagens artísticas.

No primeiro eixo, a cadeia do café – da produção ao consumo – e sua história ao redor do globo são apresentadas ao público em um conjunto de mesas interativas, que mostram a trajetória da bebida da planta à xícara, suas características e curiosidades sobre preparo e consumo em diversos países.

O ponto central deste primeiro eixo é uma grande vitrine – uma espécie de biblioteca de objetos ligados à cultura do café – reunindo exemplos da rica e diversa cultura material que se desdobra a partir da presença da bebida em todo o planeta.

Café e cultura são palavras indissociáveis em muitas partes do mundo, incluindo o Brasil. Em torno do café se desdobram muitas linguagens artísticas, seja pela contribuição histórica e econômica da bebida, seja por seus saberes, fazeres ou representações. O segundo eixo curatorial se estende por três áreas relacionadas: fotografia, música/literatura/cinema e artes visuais.

Duas pequenas mostras de fotografia, inéditas em São Paulo, ocupam as áreas laterais da exposição, com imagens de autoria de Armínio Kaiser (Salvador – BA, 1925 – Londrina – PR, 2014) e de Jorge Panchoaga (Popayán, Colômbia, 1984 – ). São obras que não se vinculam à iconografia tradicional brasileira e colombiana do café, voltada a seus lugares de produção, mas remetem, em outros termos, aos sujeitos por trás do produto (Kaiser) e aos corpos marcados pela cultura urbana cafeeira no contexto latino-americano (Panchoaga).

Em uma homenagem ao café e a sua presença em nossas casas – para além da bebida em si –, a Rádio Café traz ao público suas reverberações na literatura, na música e no cinema. Esse conteúdo, que parte de uma extensa pesquisa, também pode ser acessado no site da exposição.

No módulo dedicado ao café nas artes visuais brasileiras, a exposição contrapõe obras consagradas de Antonio Ferrigno, pertencentes à coleção do Museu do Ipiranga, da USP, à produção artística moderna, que vai de Candido Portinari e Manabu Mabe às pinturas formais de Aldir Mendes de Souza, do acervo do Museu de Arte Brasileira da FAAP e da coleção Santander. Essas obras confluem em um diálogo crítico com trabalhos contemporâneos, como o livro de artista de Katia Fiera, também do acervo da FAAP, a pintura de Mulambö, do acervo do Museu de Arte do Rio (MAR), e um vídeo de Naiana Magalhães, da coleção da artista. A exposição também traz a público o registro da performance de Ismael Ivo, “I Had Too Much Coffee”, de 2002, com direção de Ralf Schmerberg. 

Ainda no módulo de artes visuais, Café Mundo traz uma instalação da artista Raquel Fayad, desenvolvida especialmente para a exposição. Com uma série de obras relacionadas ao café, a artista apresenta aqui Flor do desejo, na qual pilhas de xícaras brancas são acompanhadas pelo som do tilintar do preparo do café, aguçando sentidos paralelos aos comumente estimulados pela bebida, como o aroma e a visão da cor terrosa, e remetendo ao branco da florada do cafezal.

Para potencializar a experiência e as reflexões do público, Café Mundo oferece, por fim, uma grande sala imersiva, com conteúdos que colocam em diálogo as muitas camadas de história e de significado do café apresentadas na exposição.

Café Mundo espera atender ao desejo de milhares de pessoas envolvidas na cadeia do café, de produtores a consumidores apaixonados, ao compartilhar sua riqueza e sua importância, bem como sua potência, enquanto patrimônio, de conectar culturas.

Marília Bonas e Pedro Nery — Curadores

Antonio Ferrigno
Jorge Panchoaga
© Katia Fiera
Aldir Mendes de Souza